Os prazeiros


Prazo – era uma superfície de terra cedida pela coroa portuguesa a um indivíduo, “prazeiro”, por um período de 3 gerações. Esta superfície de terra teria como regra cinco línguas quadrados. Era o vice-rei português da Índia quem concedia as terás em nome do rei e as concessões eram confirmadas em Lisboa.

A origem


Existem actualmente opiniões diferentes sobre a origem desta instituição, apontando-a como sendo:
a)      De origem árabe (tese definida por Oliveira e Peco Álvares);
b)      De origem portuguesa com ou sem influência da Índia (tese definida por Lobato e Papagno);
c)      O processo de substituição, através da conquista aos Africanos – tese do trespasse (tese definida por Ernesto de Wilhena e Fitz Hoppe).
Sem pretender discutir as diversas teorias, podemos aceitar que:
·         Os prazeiros eram pequenas unidades políticas, estruturadas dentro do Império do Mwenemutapa por mercadores de origem portuguesa e indiana. As terras onde foram erguidas essas pequenas unidades tiveram essencialmente três origens: terras doadas pelos chefes africanos ao governo português; terras conquistadas aos chefes por exércitos de mercadores ricos; terras compradas aos chefes africanos por mercadores;
·         Os prazos mais não foram do que a síntese do cruzamento de dois sistemas de produção: um, preexistente na sociedade shona, com dois níveis, o dos camponeses das mushas, vivendo num regime de relativa autarcia, e o da aristocracia dominante, formada pelos mambos e fumos; o outro, e que se sobrepõe ao primeiro, era formado pelos prazeiros, a elite dominante, e por exércitos de guerreiros captivos – A-Chicundas.
Pirâmide com a estrutura social dos prazos

Prazeiros


A-Chicuda


Mambos e fumos (Aristocracia dominante)

Comunidade aldeã (camponeses)

O objectivo central da Coroa da Coroa portuguesa era acelerar a colonização de Moçambique, com o incremento do povoamento branco. A obrigatoriedade da renovação da concessão de três em três gerações e da transferência por via feminina, e m caso da morte dos titulares, enquadrava-se na perspectiva de atrair para Moçambique mulheres portuguesas, para não se pôr em causa a continuidade da raça branca, com os inevitáveis casamentos de homens brancos com mulheres negras.
Na instalação, surgiram dificuldades:
·         A maioria dos prazeiros eram criminosos, opositores políticos do regime e desertores do exército que cumpriam penas de degredo em Moçambique.
·         A inferioridade numérica e o isolamento a que os prazos estavam votados não pemitiam a promoção de acções que pudessem influenciar culturalmente os Africanos;
·         A autoridade portuguesa estabelecida principalmente na costa, era impotente para exigir aos prazeiros a observância das leis ditadas por Lisboa;
·         A maioria das terras dos prazos havia sido obtido sem a concorrência do governo português;
·         O crescente poder militar dos prazos reduzia a capacidade de pressão do governo sobre eles;
·         A autonomia dos prazeiros em relação à autoridade portuguesa era, em mitos casos, quase absoluta.

Formação


Foi na segunda metade do século XVI que os portugueses tentaram estabelecer em Moçambique uma instituição não militarizada, baseada na política do “sistema de prazos da coroa”, conhecidos por “sistemas de prazos da Zambézia”.
O período de ocupação só podia ser feito pela filha branca do prazeiro, em troca de uma renda (o foro). Com esta pratica, a coroa portuguesa pretendia dar àqueles terras o estatuto de feudo, contudo, os senhores de terras não pagavam o foro e não se sentiam vassalos da coroa portuguesa. Cada um era rei da sua propriedade.
A sucessão na posse do prazo era feito por via feminina, descendente portugueses, caso contrario, as terras eram-lhes retiradas, em teoria, pois a raridade de brancos, o elevado rendimento do tráfico de escravos, a debilidade da administração entre os séculos XVII – XVIII, traduzindo a negação de legislação.    

Os Estados vassalos (satélites)

O uso do termo vassalo refere-se ao sistema feudal de relações de vassalagem entre o senhor feudal e o vassalo na Idade Média. Uma vez que estas relações eram essencialmente pessoais, a condição de vassalo propriamente seria atribuída ao governante ao invés do próprio Estado (cuja a mesma entidade era de natureza muito diferente do Estado moderno). Ser vassalo implica obrigações de “auxilium” et “consilium”, ou seja, de ausência militar (ou assistência “auxilium”) e apoio político (ou conselho: consilium).
Tanto o termo Estado vassalo como o Estado tributário são normalmente reservados para períodos históricos anteriores ao contemporâneo. Actualmente teremos mais comuns são: Estado fantoche, Estado satélite ou Estado associado.
Conflitos no seio da linhagem dominante culminaram com a formação de quatro Estados satélite do caronga: Undi, Biwi, Lundo e Kapwiti.

A organização socioeconómica/actividades económicas


No aspecto económico, a vida do prazeiro era baseada na pilhagem feita durante as incursões armadas, na venda de peles, de ouro e de marfim e no comércio de escravos (mais tarde).
Os escravos encontravam-se divididos em dois grandes grupos com funções distintas:
·         Exercito (a-chicunda), que garantia a defesa do prazo, a organização de operações de caça de elefantes e de escravos, a cobrança de imposto, etc.;
·         Domésticos, que se dedicavam à produção de alimentos, à mineração do ouro e a uma indústria ligeira (barqueiros, pescadores, carpinteiros, etc.).

A organização político-administrativa   


Os prazeiros gozavam de uma independência quase total;
·         Fixavam os impostos (mussoco, tributo em géneros) a serem pagos pela população camponesa residente dentro dos prazos e seus arredores;
·         Condenavam à morte por enforcamento e aplicavam chicotadas e palmatoadas a todos os que se recusassem a catar as suas leis;
·         Tinham a sua própria força militar, formada sobretudo por escravos e depois mercenários.

O papel da Coroa portuguesa

A Coroa portuguesa procurou controlar os prazeiras, reformando o sistema.
·         Em 1667 foi publicada a primeira reforma, com efeitos quase nulos. Os prazeiros continuavam a não respeitarem a Coroa portuguesa e a administrar os prazos e seu bel-prazer, em muitos casos levantando barreiras a presença das autoridades administrativas.
·         Em 1760 foi publicada a segunda reforma. Determinava, por exemplo:
a)      Que os prazos não deveriam ter mais do que três ou quatro léguas quadradas;
b)      Que os prazos, a partir de então, só deveriam ser autorizados pelo governo de Lisboa, depois de um período experimental de quatro anos;
c)      Que os prazeiros deveriam contribuir para a manutenção dos fortes,  para a construção de estradas e travessias de pontes em tempos de secas e também em homens e armamento para as expedições.
Os prazeiros continuavam, porém, a rejeitar as pretensões da Coroa portuguesa. Caracterizando a instabilidade reinante, um cronista contemporâneo escreveu que “num grupo de vinte prazeiros, cada um tem dezanove inimigos; no entanto, todos são inimigos do governador”.                  

A ideologia


·         Os prazeiros aproveitaram, quase integralmente, o aparato ideológico nativo. A utilização do muávi, o culto dos espíritos, a inovação das chuvas, etc., eram mecanismos que garantiam a reprodução das relações de produção então existentes. Os prazeiros africanizaram-se.
·         Tal como sucedia quando morria um mambo, também a morte de um prazeiro provocava um período de desordem generalizado – os choriro (que rema no fundo), que se tornaram uma válvula de escape para as tensões sociais.

Decadência


Vários factores conjugados contribuíram para o declínio dos prazos:
·         A intensificação do tráfico de escravos na segunda metade do século XVIII, levou os senhores de terras a exportarem os camponeses, produtores de alimentos e mais tarde os A-chicundas, cuja função consistia em proteger militarmente os prazos. Como consequência, estes, em fuga, atacaram os prazos e destruíram as redes comerciais do sertão;
·         Entre 1820-1835 forças de Báruè e monomotapa atacaram os prazos;
·         A invasão dos Nguni (Sena, Manica, Báruè e Luabo) agravou a situação, tendo provocado o despovoamento do vale e, por outro, os prazos tornaram-se vulneráveis;
·         Por volta de 1840, os Nguni de Gaza tinham ocupado 28 dos 46 prazos e os restantes passaram a pagar o tributo aos Nguni.

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