O chifre da África e a África setentrional
O chifre da África e a África setentrional são sacudidos
no curso dos anos 30 e 40, como outras regiões, pelos dois acontecimentos
maiores em que se constituem a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Os
anos 30 inauguram uma série de crises e mutações, aprofundadas e aceleradas
pela guerra. No pós-guerra, novos equilíbrios se estabelecem após consideráveis
dificuldades; eles são muito rapidamente ameaçados por movimentos políticos que
saem reforçados e mais determinados do conflito. Por volta de meio século mais
tarde, concomitantemente à abertura dos arquivos aos historiadores, numerosos
trabalhos verteram sobre este passado recente, considerando, a justo título, os
anos 1930 -1945, como um ponto de inflexão na história contemporânea.
Evidentemente, múltiplas questões permanecem sem resposta ou em debate, mas é
possível, nos dias actuais, apresentar um balanço ou uma avaliação do estado da
questão, sem omitir a sinalização das lacunas existentes nem tampouco dos
pontos controversos, (TAYEB CBENNTOUF: pág.33).
A economia e a sociedade
As economias, doravante sensíveis ao mercado mundial, são
afectadas, com decalagens cronológicas, pela reviravolta da conjuntura mundial.
A explosão demográfica e a urbanização, menos dependentes da conjuntura, advêm
de evoluções mais lentas e relativamente antigas. As maiores dificuldades surgem
em razão das dinâmicas na reviravolta conjuntural no mundo, de seus efeitos inércias
e das dificuldades estritamente endógenas das economias locais. As economias da
África setentrional e do chifre da África, integradas, pelo menos desde a
segunda metade do século XIX, às trocas mundiais e que foram, em diferentes
graus, modeladas por uma legislação elaborada pelas potências coloniais, essas
economias revelam-se sensíveis às flutuações internacionais. O comércio
exterior revela directamente as reviravoltas na conjuntura e a crise das
economias francesa, inglesa e italiana. A baixa se reflecte tanto nas importações
quanto nas exportações, mas as vendas para o exterior resistem melhor pois não
concernem senão um pequeno número de produtos, minerais e agrícolas,
tradicionalmente exportados para a Europa, (pág:34).
A crise afecta todas as actividades agrícolas e os
rendimentos dos agricultores regridem, em todas as regiões, a ponto de ameaçar
a situação dos pequenos produtores rurais. No Marrocos a colonização agrícola
mais recente é sacudida pela queda nos preços. A baixa dos rendimentos dos agricultores
foi, entre 1930 e 1933, da ordem de 60%5. Em contraste com a produção mineira e
agrícolas voltadas para exportação, a produção artesanal e industrial não é afectada
pela recessão mundial, ao menos não directamente. Indirectamente, ela acelera
uma crise local no Marrocos e em outros países. Desde então, o artesanato
tunisiano está em crise, abalado pela manifestação da recessão mundial que o
desorganiza ainda mais: entre 1928 e 1932, as exportações de tecidos em lã
recuam 82%, ao passo que a progressão do volume de vestimentas em lã importadas
atinge 50%; a queda na exportação de carretéis cónicos (chéchias) é contínua de
1932 a 1937 – 82.640 unidades, contra 26.491, (pág:36).
O significado das crises
A recessão mundial repercute nos sectores mais estritamente
ligados ao mercado mundial. Ela agrava indirectamente as condições locais da
crise em que a evolução das economias locais desempenha um papel determinante.
Nos diferentes países, a degradação da situação económica é notável antes mesmo
que se tornem sensíveis as reviravoltas da conjuntura mundial. As economias
locais são abaladas por uma crise de origens internas. Na realidade, trata -se
de várias crises cujos numerosos significados são, para algumas dessas economias,
divergentes, (pág:37).
As crises tunisiana e argelina são assaz comparáveis. As
dificuldades económicas não são de uma implantação colonial, em sua primeira
fase, mas dizem respeito antes àquelas referentes a economias coloniais em que
amplas transformações e períodos de expansão haviam ocorrido. A conjuntura
degrada -se desde 1930, com perdas para o conjunto da actividade de criação de
animais, no sul do país, (pág:38).
A crise de 1929 -1933 intensificou o afluxo de capitais
para o grupo e permitiu o incremento da sua participação no conjunto da
economia egípcia. No chifre da África, a fraqueza das transformações económicas
ocorridas desde o início do século XX e a insuficiente integração aos circuitos
de troca mundial limitam, a exemplo da Líbia, as consequências potenciais da
reviravolta na conjuntura mundial. A crise repercute, como no Egipto, nas
regiões especializadas nesta cultura, atingindo directamente os produtores. Indirectamente,
ela afecta o funcionalismo sudanês formado no Gordon College. Os salários desta
categoria foram fortemente reduzidos em 1931, enquanto aqueles dos seus
correlatos colegas estrangeiros não sofreram nenhum impacto. As estradas de
ferro do Djibuti, progressivamente construídas desde 1903, atingem Addis -Abeba
em 1917, (pág:39.40).
As crises políticas
No domínio político, os diferentes países foram colocados
sob controle de potências europeias no século XIX e no início do século XX, com
excepção da Etiópia, somente em 1935 integrada neste contexto. Sua evolução
política nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial é tão caótica quanto
aquela ocorrida nos âmbitos económico e social. O novo questionamento do
estatuto de colónia ou de protectorado se efectua ao longo de uma série de
crises políticas que atingem seu ápice nos anos de 1936 e 1937, e às quais a
eclosão da Segunda Guerra Mundial põe um termo provisório, (pág:40).
A evolução egípcia e líbia
As evoluções políticas do Egipto e da Líbia são das mais
contrastantes: o primeiro obtém um substancial relaxamento do controle inglês
sobre a sua vida política; quanto ao segundo, ele está integrado ao “território
nacional” italiano. Paralelamente à segunda vaga de imigração dos Ventimila, a
política fascista insiste em integrar a Líbia ao território italiano. Um
decreto do Grande Conselho fascista é promulgado: as quatro províncias
costeiras de Trípoli, Misurata, Benghazi e Dera, se tornam “parte do território
nacional”. Os territórios do Saara líbio conservam seu estatuto de colónia,
(pág:44).
A única actividade política dos líbios acontece no Egipto.
Em 1923, Idris se refugiou neste país onde se formou uma pequena colónia de
líbios. Estes últimos se dedicam, com o apoio dos britânicos, a uma propaganda
anti italiana. Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a vida política egípcia
está dominada pelo complexo jogo entre a monarquia, o representante da Grã
-Bretanha e partidos políticos, especialmente o Wafd. A inquietação da Grã-
Bretanha diante da propaganda dos italianos no Egipto, bem como perante a acção
desses últimos na Líbia e na Etiópia, justifica a assinatura do tratado de 1936
e a conclusão dos acordos de Montreux, em 1937. As cláusulas essenciais do
tratado, assinado na cidade de Londres, em 26 de Agosto de 1936, podem assim
ser resumidas: o Egipto cuja independência fora reafirmada, assina uma aliança
com a Grã -Bretanha; esta última se engaja a defender o Egipto contra qualquer
agressão e, em caso de guerra, o Egipto se compromete a oferecer à Grã
-Bretanha todas as facilidades em seu território., (pág:45).
A abolição das
capitulações torna o Egipto mestre da sua legislação financeira: em 1940,
acordos bilaterais assinados com a Grã -Bretanha e em seguida com a França
impõem um fim ao sistema da Caixa da Dívida. A assinatura de um acordo similar
com a Itália tornar -se -ia supérflua em razão da eclosão da Segunda Guerra
Mundial. A despeito do insuficiente volume das concessões britânicas quanto ao
tratado de 1936, a sua assinatura e a retirada das tropas britânicas da zona do
canal configuram o triunfo do Wafd e de Nahhas Pasha. Dominante na vida
política egípcia desde 1924, o Wafd aspira exercer a plenitude do poder, apesar
das suas múltiplas cisões e da partida dos nacionalistas mais radicais a partir
de 1930.
A crise das relações franco‑magrebinas
Em relação aos três países do Magreb clássico (Argélia,
Marrocos e Tunísia), a chegada ao poder da Frente Popular abre a perspectiva de
redefinição das relações com a França. A esta tomada de poder, rapidamente se
sucedem desilusões e a repressão, após a queda do governo da Frente Popular.
Com efeito, durante a década de 1930 -1940, as relações franco -magrebinas
conhecem a sua primeira crise de contornos mais sérios. A constituição do
governo da Frente Popular, bem acolhida pelos nacionalistas, permite relançar
as reivindicações através do envio de uma delegação à Paris e pelo recurso a acções
de massa. O ano de 1937 é marcado por uma agitação generalizada (Meknès,
Marrakesh e Khemisset) e severamente reprimida. Após a débâcle do governo Blum,
a repressão se agrava com a dissolução do Comité de Acção marroquino (18 de Março
de 1937), (pág:46).
No fim do ano o
nacionalismo é decapitado. A implantação do estado de sítio em 18 de Agosto dá
origem a um país onde o Néo - Destour, decapitado, se torna nesse interlúdio o
porta -voz do nacionalismo tunisiano. Com maior intensidade, se comparada com
os seus dois países vizinhos, a chegada ao poder da Frente Popular suscita na
Argélia grandes esperanças quanto ao atendimento das reivindicações. Os
eleitos, os ‘ulama’ e os comunistas, inauguram sem a participação da Estrela
norte -africana um Congresso Muçulmano (7 de Março de 1936) que elabora uma
“Carta Reivindicatória do povo muçulmano argelino”, contendo uma série de
reivindicações em prol da igualdade e em respeito ao estatuto pessoal
muçulmano. O governo de Léon Blun, decidido a responder parcialmente às
demandas nacionalistas, elabora um projecto de lei concedendo o direito de voto
à elite argelina, a título pessoal e sem o abandono do estatuto pessoal
muçulmano. A conjuntura criada pela Frente Popular permite aos partidos
nacionalistas realizarem pela primeira vez a sua unidade, tanto programática
quanto no que se refere à acção. Esta frente única lhes permite a implantação
nas cidades e nos campos, sobretudo pela ampla difusão das suas ideias, (pág:47.48).
A evolução política do Chifre da África
Esta evolução política é dominada pelas disputas anglo
-egípcias no Sudão e pela intervenção militar italiana na Etiópia. A situação
política sudanesa se complica em razão da existência, pelo menos formal, do
condomínio anglo -britânico. Desde a afirmação do nacionalismo neste país, a
questão das relações com o Egipto estava na origem das clivagens entre os
nacionalistas. Os levantes de carácter religioso são brutalmente reprimidos. O
mais importante ocorre em Wad Halula, na Gezira. Adepto do Mahdi, este
movimento pretende continuar a sua luta incentivando um reagrupamento dos seus
adeptos. Após o assassinato de duas pessoas, entre elas o delegado do distrito,
uma coluna militar coloca rapidamente um fim a esta tentativa. O sucessor do
Mahdi é capturado e enforcado. Paralelamente, o sentimento nacional se difunde
nos meios letrados. As sociedades secretas nascentes preconizam, quase em sua
totalidade, o fim do condomínio e a independência ou uma união com o Egipto. A
melhor constituída é a Liga da Bandeira Branca, fundada em 1924 por um oficial,
‘Ali ‘Abd al -Latif, partidário da liberdade do Sudão e da unidade do vale do
Nilo. Em 1936, o acordo estabelecido entre a Grã -Bretanha e o Egipto devolve a
este último os seus direitos, perdidos por ocasião das perturbações políticas
ocorridas no Sudão e em seu próprio território. Os nacionalistas sudaneses, não
consultados, aceitam aquilo que consideram um desafio. Em 1938, é organizado o
Congresso Geral dos Diplomados; ele é no seu início uma organização corporativa
e filantrópica que visava obter o reconhecimento oficial, (pág:48).
A guerra da Etiópia e as suas consequências
A conquista italiana da Etiópia, em 1935, faz desaparecer
o último Estado africano independente. Ela tem profundos efeitos junto aos nacionalistas
africanos e na comunidade negra americana. No chifre da África, as
consequências são directas e imediatas. A expansão italiana no nordeste da
África fora bloqueada, em 1896, pela vitória decisiva do imperador Ménélik, em
Adowa. No interlúdio entre as duas grandes guerras os objectivos italianos são
reactivados pelo fascismo. O tratado de amizade não mascara, senão
aparentemente, os seus objectivos coloniais para a Etiópia, adiados até o
momento da derrota da Sanusiyya, na Líbia, pelas tropas italianas. Uma querela
de fronteiras em Ogaden, entre a Somália e a Etiópia, serve como pretexto ao
fascismo. Escaramuças acontecem em Wal Wal. A Comissão de Arbitragem designada
pela SDN fracassa em sua missão. A Grã -Bretanha e a França apoiam a Etiópia, embora
não se mostrem dispostas a impedir a agressão italiana. As tropas de Mussolini
avançam em estradas já preparadas, a partir de Adowa, ao norte, e de
Mogadíscio, no sudeste, (pág:49).
O exército fascista, composto por 400.000 homens e graças
à superioridade do seu armamento, se apodera facilmente do Tigré, região
comprada pelo rás Gugsa. Após intensos bombardeios que destroem cidades,
pequenas localidades e rebanhos, Adis -Abeba sucumbe, em 1936. O imperador foi
compelido a se refugiar na Inglaterra. O império leste -africano da Itália se
torna por alguns anos uma realidade. A Etiópia unida à Eritreia e à Somália
forma a Africa Orientale Italiana; o rei da Itália assume o título de imperador
da Etiópia. A África Italiana compreende os desertos costeiros e os platôs
etíopes, totalizando 12 milhões de habitantes. Ela está subdividida em cinco
grandes províncias, cada qual com seu governador, o conjunto é dirigido por um
vice -rei. Numerosas divisões fascistas mantêm um regime policialesco;
operações militares são necessárias no sudoeste onde ocorrem resistências,
(pág:49).
A guerra e a paz (1940 ‑1945)
Na maioria dos países, com excepção do Egipto, as
reivindicações nacionalistas enfrentam nos anos de 1937 e 1938 a intransigência
das potências coloniais e a repressão. De 1940 a 1945, a evolução dos
diferentes países está ligada aos acontecimentos da guerra. No domínio
político, as crises do pré -guerra dão lugar a verdadeiras mutações:
nacionalismos mais potentes e reivindicativos se manifestam desde 1943,
(pág:49).
Os países em guerra
A Primeira Guerra Mundial aparecera como um conflito
entre europeus, desenrolado na Europa. A Segunda Guerra Mundial transforma a
África setentrional e o chifre da África em zonas de combate; a mobilização
militar afecta muito mais a população; as economias estão orientadas para o
esforço de guerra. O fim das operações militares provoca numerosas dificuldades,
económicas e sociais, (pág:49).
A participação no conflito
Entre 1939 e 1945, a evolução das operações militares e a
participação, sob múltiplas formas, dos países africanos, estes dois factores
possuem um peso relativo muito maior sobre os rumos do conflito, comparativamente
aos anos 1914 -1918, (pág:50).
A superposição é muito estreita entre os diferentes
campos de batalha na “Guerra da África”, suscitando durante três anos
prodigiosos esforços, da fronteira algerotunisiana até as portas de Alexandria.
Para os ingleses, o Egipto é um zona estratégica de primeira grandeza, não
somente em razão do Canal de Suez mas também em função do seu papel como
plataforma de operações para a condução da guerra. Churchill considera necessário
defender o Egipto como se fossem as regiões de Kent ou Sussex. Uma primeira
tentativa italiana, a partir da Líbia e conduzida por Grazianni, é repelida por
Wavell em Dezembro de 1940. A segunda tentativa, feita pelo Afrikakorps e
conduzida por Rommel, é interrompida em al -‘Alamein por Montgomery; em 23 de Janeiro
de 1943, as tropas britânicas entram em Trípoli, enquanto a coluna Leclerc,
vinda do Chade, chega pouco após e se agrega à VIII força, (pág:51).
No chifre da África, desde a sua entrada em estado de
beligerância, os italia- nos instalados na Etiópia ocupam duas cidades
sudanesas fronteiriças (Kassala e Gallabat) e a totalidade da Somália
britânica, praticamente vazia em tropas. Em 1941, as tropas britânicas
reconquistaram os territórios antes sob controle da Itália. No Tigré, o general
Platt, vindo do Sudão, conquista uma vitória em Keren, ao passo que o general
Cunninghan, a partir da Somália e vindo do Quênia, chega à Harar e, em seguida,
à Adis -Abeba. Os dois exércitos se agrupam em Amba Alaguir onde o duque de A oste
capitula. Em 5 de Maio de 1941, Haïlé Sélassié pôde voltar à capital etíope. Os
países da África setentrional e do chifre da África, transformados em campos de
batalha, também fornecem soldados às diferentes frentes europeias. Até Junho de
1940, a África do Norte fornece sozinha 216.000 homens, entre eles 123.000
argelinos. De 1943 a 1945, 385.000 homens originários da África do Norte
(incluindo 290.000 argelinos, tunisianos e marroquinos) participam da liberação
da França29. O exército africano intervém na liberação da Córsega (Setembro–Outubro
de 1943), na campanha da Itália (atingindo Roma em 15 de Junho de 1944) e na
campanha da Provence (em Agosto de 1944), antes de se redireccionar rumo ao
norte para se unir ao conjunto do exército francês. No Cairo, onde está
refugiado, Idris aprova a formação de batalhões encarregados de promover uma
guerrilha no Djabal al -Akhdar tão logo a situação o permitisse, (pág:52).
No chifre da África se observa, lado a lado com as tropas
britânicas, uma notável participação sudanesa na luta pela reconquista da
Etiópia. Os refugiados etíopes no Sudão são organizados militarmente pelo
general Wingate, sob a denominação de “Gideon Force”, unidade que penetra no
Gojam. Paralelamente à mobilização humana, empreende -se uma política económica
de sustentação ao esforço de guerra. Desde o mês de Outubro de 1939, a economia
marroquina é declarada “economia de guerra”. A chegada da guerra provoca uma
alta nos preços dos produtos de extracção mineral, criando uma relativa
prosperidade. As economias, argelina e tunisiana, reforçam igualmente a frente económica,
(pág:52).
Os problemas económicos da guerra e do pós‑guerra
A guerra produz numerosas dificuldades, económicas e
sociais. A desorganização dos transportes repercute no declinante comércio
exterior e a disparada dos preços aumenta o custo de vida, incentivando o
mercado negro. A demanda induzida pela guerra se encontra na origem de um
relativo crescimento industrial cuja durabilidade seria questionada pelo
restabelecimento, em 1945, dos fluxos comerciais com a Europa. A ruptura de
relações com a França e com a Inglaterra, juntamente com os esforços militares,
contribuem muito mais que no passado para a produção de bens até então
importados, (pág:52).
Nascem novas indústrias nos sectores dos alimentos em
conserva, da borracha, da juta, da fabricação de ferramentas e sobretudo da
produção farmacêutica e química. A produção industrial aumenta em 38% entre
1939 e 194530. Entretanto, a guerra põe em evidência no Magreb a dependência de
todos os sectores diante das economias europeias. A Tunísia encontra -se
privada das suas fontes de produção de matérias -primas e enfrenta difíceis
problemas económicos. A prioridade é dada em favor do aumento da extracção do
linhito. Objectivando substituir os produtos franceses, o artesanato é
reavivado em todos os sectores que haviam sido suplantados antes da guerra
pelas importações francesas de roupas, sapatos e artigos cerâmicos. Numerosas
empresas são criadas na Argélia desde 1940, com o intuito de substituir as
importações, tornadas raras, senão impossíveis. Os investimentos industriais,
entre 1940 e 1945, atingem o mesmo volume alcançado durante os vinte e sete
anos precedentes; no curso dos anos 1939 -1945, 53% dos capitais se orientam
para as actividades industriais, visando desenvolver aquelas já existentes ou
criar novos processos. As indústrias Gouin, de óleo e sabão, inauguram uma
segunda fábrica de óleo, enquanto a sociedade Lesieur implanta -se em Fevereiro
de 194232. O restabelecimento da paz recoloca em questão a industrialização por
substituição e impõe um freio ao crescimento industrial, (pág:54).
A situação económica e social é agravada pela
desmobilização, pela interrupção das indústrias de guerra e por uma conjuntura
agrícola desfavorável. A conjuntura económica é atingida por profundas
modificações com o fim das hostilidades. Todos os países conhecem uma forte
alta dos preços, enquanto os exércitos francês e britânico demitem os operários
que eles haviam empregado durante a guerra. O desemprego e o sub emprego se
alastram. Os mais urgentes problemas egípcios são parcialmente mascarados pela
votação de créditos destinados a ajudar os operários públicos e aqueles então
demitidos pela administração militar. Os problemas mais importantes são
submetidos ao exame das comissões e comités interministeriais criados em grande
número em 1945 e 1946. Um Conselho Superior do Trabalho reúne -se pela primeira
vez em 23 de Março de 1945, visando elaborar um código trabalhista. Com o
intuito de eliminar o desemprego, um plano quinquenal de grandes obras obtém um
crédito de 25 milhões de libras em 1945, para financiar: a construção de
estradas, a abertura de canais de irrigação, a execução de drenagens em pântanos,
o abastecimento em água potável das cidades do interior e a construção de
escolas e hospitais. Na realidade, estas medidas se mostram insuficientes para
por um termo à agitação social, alimentada por más colheitas em algumas
regiões. A mortalidade é impiedosa nas criações de ovinos e caprinos,
enfraquecidos pela falta d´água e de forragem. Várias dezenas de milhares de
camponeses se dirigem novamente rumo ao norte do país para viver da mendicância
ou trabalhar nos canteiros de obras dos programas públicos, (pág:54).
O crescimento industrial
Se, por um lado, uma minoria pôde enriquecer -se graças
ao tráfico variado e ao mercado negro, a quase totalidade da população é
submetida às duras condições de vida advindas nos anos do pós-guerra. As
próprias economias da Europa, diante de dificuldades, não podem oferecer nenhum
socorro, apesar do restabelecimento dos fluxos comerciais, (pág:55).
O comércio exterior marroquino é retomado a partir de
1943: a média nas importações passa de 936.000 toneladas, no pré -guerra, para
1.280.000 toneladas e a média nas exportações, no mesmo período, passa de 2,5
milhões de toneladas para 32 milhões de toneladas34. Em todos os países, os
fluxos de troca reencontram a sua estrutura, em níveis do período entre as
guerras. A fraqueza dos capitais investidos e a medíocre qualidade dos seus
produtos tornam muito frágeis as empresas criadas durante a guerra; muitas são
levadas a interromper as suas actividades. A Argélia beneficia -se de um plano
de industrialização. A guerra mostrou o importante papel de base de retaguarda
desempenhado pelos protectorados e pelas colónias na condução das operações
militares. “A ideologia imperial” favorece planos industriais na perspectiva de
um terceiro conflito mundial, considerado inevitável. Os problemas estruturais
da economia argelina são abordados em um discurso do general Catroux, em 1944.
Um programa é elaborado, com aplicação prevista para um período de vinte anos,
abrangendo todos os sectores: artesanato, educação, moradia social, saúde
-pública, equipamentos e reposicionamento dos agricultores argelinos. Após uma
rápida aceleração, o plano quinquenal de industrialização é abandonado,
(pág:55).
As mutações políticas
Em 1948, a reintegração da África setentrional e do
chifre da África ao processo de divisão internacional do trabalho interrompe os
progressos económicos alcançados durante a guerra. O mesmo não ocorre no
domínio político, neste aspecto a guerra tem como consequência o
enfraquecimento da influência da França e da Grã -Bretanha, enquanto a Itália
figura no campo dos vencidos. Após breve interrupção, a actividade política
readquire os seus direitos: a guerra encoraja os nacionalismos que passam à acção
desde 1943 e contestam, em 1945 e 1946, o retorno ao estatuto de colónia ou protectorado.
Os nacionalismos, em plena actividade nos idos de 1936 e 1937, são freados em
suas reivindicações em 1939. Eles põem em proveito a nova situação criada pela
guerra, com vistas a manifestarem -se novamente, já desde a retomada da sua actividade
política e antes mesmo do fim do conflito. Na véspera da guerra, os partidos
nacionalistas argelinos são afectados, directa ou indirectamente, por medidas
de repressão. , (pág:56).
O Partido do Povo Argelino é dissolvido em 26 de Setembro;
Messali Hadj, seu líder, é novamente encarcerado em Outubro com vários
dirigentes; militantes são conduzidos a campos prisionais. Messali Hadj e os
seus companheiros são condenados a penas de trabalhos forçados ou de prisão, em
29 de Abril de 1941, pelo tribunal militar de Alger. Desorganizado, o Partido
do Povo Argelino desaparece de fato do cenário político. O Partido Comunista é
reduzido à inacção ou à acção clandestina, logo na eclosão da guerra. Muitos factores
corroboram a retomada e a transformação dos nacionalismos. O término dos
combates, no ano de 1945, produz efeitos imediatos: a França e a Inglaterra
perdem o seu “capital de intimidação”, adquirido há cerca de um século em razão
da sua potência e do seu prestígio, (pág:57).
Os nacionalistas extraem deste enfraquecimento um novo
aporte à sua audácia e conseguem, graças à sua capacidade de mobilização, tirar
também todas as consequências do desembarque anglo -americano e das divisões
francesas, ocorridos em Argel, Rabat e Túnis. No fim da guerra, eles valorizam
a participação dos seus países ao lado dos Aliados para tornar efectivas as
suas reivindicações. Desde 1940, os meios parlamentares exigem, sem mais
delongas, emendas substanciais ao tratado e ao estatuto dos estrangeiros. As
demandas formuladas pelo Wafd em um memorando dirigido ao sir Miles Lampson,
datado de 1o de abril de 1940, são ainda mais radicais, (pág:58).
A chegada ao poder, em 19 de Janeiro de 1942, do bei
Moncef (Munsif) transforma o beilhique em símbolo do nacionalismo tunisiano e
dá origem ao “moncefismo”. Após um segundo incidente no seio do Conselho de
Ministros (30 de Dezembro de 1942), ele forma um novo ministério. As
reivindicações são rejeitadas, o fracasso gera a criação de duas tendências no
seio do Congresso. A primeira, dirigida pelos al -Ashikka’ (os Irmãos de
Sangue), assume nitidamente a proeminência; ela milita por um governo sudanês
unido ao Egipto, sob a égide da Coroa Egípcia, (pág:59.60).
Os problemas em 1945-1946
Em 8 de março de 1945, ele pleiteia pelo direito do
Marrocos em ingressar nas Nações -Unidas e endereça um relatório ao comissá-
rio residente, E. Labonne, para o qual não receberá resposta. Em Agosto de
1946, três de seus representantes se dirigem a Paris onde convocam uma
entrevista colectiva e estabelecem numerosos contactos, (pág:61).
No imediato, a jornada de 8 de Maio de 1945 provoca um
endurecimento no comportamento da população europeia e do governo francês, bem
como a radicalização dos nacionalistas. Numerosos dentre estes recusam qualquer
acção legal em preparação à luta armada, vista por muitos como solução
inevitável. No imediato pós -guerra, a Constituição de 1946 e a correlata e prevista
implantação da União Francesa não resolvem de forma alguma a questão das
relações entre a França e os países do Magreb. A Constituinte não toma decisão
alguma no tocante à Argélia, a Assembleia Nacional discute vários projectos
apresentados pelos deputados argelinos. Eles recusam a assimilação e
reivindicam o reconhecimento da personalidade argelina tanto no quadro de um
Estado associado, quanto naquele de uma república, ou ainda em qualquer outro
estatuto que seria previsto por uma assembleia constituinte argelina, eleita em
sufrágio universal, (pág:62).
A guerra tem consequências decisivas na Líbia,
provisoriamente administrada pelos ingleses e franceses antes que as
organizações internacionais se tenham interessado pela “questão líbia”. A
derrota germano italiana permite aos ingleses e franceses compartilharem a
administração do país: a Cirenaica e a Tripolitânia são confiadas aos britânicos
e o Fezzan aos franceses. Um regime de ocupação militar é imposto mas, a URSS
levanta protestos em nome do princípio da divisão equitativa das antigas colónias
italianas ou, ao menos, da sua administração comum pelos Aliados. Na
impossibilidade de um acordo aliado, a questão da Líbia deve ser submetida às
Nações Unidas um ano após a entrada em vigor do tratado em que a Itália
renuncia a todas as suas colónias. Em princípio, a ONU deve se pronunciar a
partir de 15 de Setembro de 1948. O nacionalismo egípcio choca -se com a
posição da Grã -Bretanha que ainda defende a criação da Liga dos Estados Árabes
na região. É plausível a chegada do momento da obtenção, junto à Grã -Bretanha,
da independência total do país. Os partidos de oposição não esperam o fim do
conflito para convidar o governo a passar à acção, (pág:63).
A criação da Liga dos Estados Árabes
Malgrado essa derrota, o Egipto desempenha um papel
central na criação da Liga dos Estados Árabes. A aspiração por unidade dos
países árabes remonta ao fim da Primeira Guerra Mundial; ela se manifesta no
fim dos anos 30 e, posteriormente, uma vez mais a partir de 1942 com o apoio
dos britânicos. Os objectivos da Grã -Bretanha e dos nacionalistas árabes são
diferentes, dois projectos são sucessivamente defendidos pela Grã -Bretanha
antes que tenha êxito aquele sustentado pelo Egipto. No chifre da África, a
derrota italiana permite o restabelecimento da independência etíope, bem como a
retomada com a ajuda americana da política de modernização. As reivindicações
políticas são relançadas no Sudão em 1946, por ocasião das negociações anglo
-egípcias tangentes à revisão do acordo de 1936. Após a resposta negativa
apresentada pelo Egipto, os representantes do Partido Umma deixam o país. A Grã
-Bretanha, interessada em manter uma presença militar e económica no Sudão,
encoraja a autonomia sudanesa. A Constituição de 1948 é redigida; ela comporta
uma Assembleia Legislativa eleita em sufrágio universal e um Conselho Executivo
com ministros sudaneses. Apesar de guardar o direito de veto e sustentar certa
reserva em algumas matérias, o governador -geral controla estritamente o sistema
político, (pág:64).
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